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T Ó P I C O : Toque feminino no café

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Toque feminino no café


Autor: Leonardo Assad Aoun

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Último comentário neste tópico em: 15/02/2018 06:49:25


Leonardo Assad Aoun comentou em: 14/02/2018 12:43

 

Toque feminino no café

 

Pouco visíveis até alguns anos atrás, as mulheres vão à luta em busca de reconhecimento, respeito, melhores condições de vida e trabalho

Rogério F. Furtado

12987Movimento das mulheres do café se insere em outro, bem mais amplo, pela afirmação do papel feminino em qualquer instância da vida social

A cafeicultura do Brasil é feita por homens e máquinas de grande porte, em plantios extensos. Essa descrição equivocada da realidade brasileira já foi difundida por revistas estrangeiras especializadas. Aqui, como se sabe, o cultivo do café se dá em terrenos mecanizáveis, mas também nas encostas de montanhas, com equipamentos e ferramentas manuais. Além disso, o tamanho dos cafezais varia ao extremo. E, a exemplo de outros países produtores, onde há café, há mulheres. Não apenas para coá-lo, pois o trabalho feminino costuma ser decisivo em cada elo do sistema agroindustrial. Dos cafezais às empresas exportadoras, dos centros de ensino e pesquisa às cafeterias e torrefadoras.

Até poucos anos atrás, as mulheres eram “invisíveis” nesse ramo do agronegócio. Para “materializá-las”, em 2012 surgiu o capítulo brasileiro da IWCA, sigla em inglês da Aliança Internacional das Mulheres do Café. As dirigentes da entidade têm estado cada vez mais ativas nos eventos da cafeicultura. E suas colaboradoras acabam de finalizar a coleta de dados para um livro, a ser lançado no segundo semestre de 2017, com análises dos perfis de mulheres atuantes nos mais variados segmentos da atividade cafeeira. As informações foram obtidas por meio de um questionário, preenchido por mulheres de todas as regiões produtoras.

O projeto contou com a participação de representantes de várias instituições. Trata-se da primeira ação de envergadura da Aliança, explica a agrônoma Danielle Pereira Baliza, doutora em cafeicultura e professora
do Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais, campus de Bom Sucesso. Ela coordenou a aplicação dos questionários na região do Campo das Vertentes, com o apoio de pesquisadores e estudantes – mulheres,
na maioria dos casos. Entre elas, duas de suas alunas, Luíza Andrade Zenith e Ana Paula Marques da Silva, bolsistas do CNPq. Ambas foram surpreendidas por colhedoras de café,  quando da aplicação do questionário. As trabalhadoras declararam estar felizes e realizadas, e que não pretendem buscar outra ocupação. Como se trata do grupo mais frágil dentro da cadeia de produção, em termos econômicos e sociais, Danielle relativiza esse aparente entusiasmo. Ela diz: “Hoje, as condições de trabalho melhoraram em relação ao passado, principalmente nas propriedades certificadas. Mas a safra em geral não vai além de cinco meses. Assim, nossa preocupação se volta para o que fazem essas mulheres no resto do ano. Elas merecem ter qualidade de vida superior. Precisam estudar mais e obter emprego formal além do período da safra. E muitas vezes não sabem que têm potencial para tanto. Elas se declaram satisfeitas, mas sabemos que suas vidas podem melhorar”.

Em busca de afirmação - Alguns dados da pesquisas confirmam a profunda desigualdade reinante na sociedade brasileira. A maioria das mulheres que colhem café tem baixo grau de escolaridade. São negras ou pardas. Professoras e pesquisadoras estão no patamar mais elevado de educação formal, como é óbvio. E são brancas. Portanto, o movimento das mulheres do café se inscreve em outro, bem mais amplo, pela afirmação do papel feminino em qualquer instância da vida social. Danielle acrescenta: “Ainda que nossos esforços se concentrem em âmbito mais restrito, o da cadeia do café, a participação feminina precisa ser conhecida e valorizada. Muitas vezes, o trabalho das mulheres é visto por seus companheiros como uma forma de ajuda. Apenas uma extensão das atividades domésticas.

Hoje, quando se fala tanto em sustentabilidade, está na hora de perguntar: como a gente pode ter uma cafeicultura sustentável sem a equidade entre os gêneros?” Ela conta que ficou cada vez mais sensibilizada por essa questão quando teve o primeiro filho, há pouco tempo. A maternidade lhe impôs exigências no ambiente familiar e limitações à carreira profissional. Algo tão comum na vida das mulheres que trabalham. Assim, em abril de 2016, quando participou de reunião da IWCA, em Brasília, aceitou a incumbência de participar do projeto do livro, com outras voluntárias. Está claro que os objetivos da Aliança não se resumem ao levantamento estatístico. E mesmo esse deverá prosseguir, agora com o questionário disponível na internet, para a segunda edição do livro, prevista para 2018. “Quanto maior o volume de dados, melhor. Servirão de guia para a formulação de políticas públicas, destinadas ao segmento mais carente das mulheres do café”, diz Danielle.

As ações planejadas da IWCA devem acelerar o fim da obscuridade que encobre o trabalho feminino. Nesse sentido, um processo espontâneo vinha ocorrendo há alguns anos, representado pelas vitórias e as classificações honrosas obtidas por cafeicultoras nos concursos de qualidade do café, numerosos em todo o país. Em Santo Antônio do Amparo, Oeste de Minas Gerais, chama a atenção o exemplo de Lourdes Camilo Naves Ferreira, nascida na roça, filha de trabalhadores rurais. Para os concursos da associação local de produtores familiares, a Afasa, ela tem apresentado café classificado como especial. Junto com lotes de outros associados, o melhor de sua produção embarca regularmente para Seattle, nos EUA, onde fica a Atlas Coffee Importers, empresa do segmento de cafés finos. Lourdes levou meio século para chegar aonde está. Pequenina desde sempre, aos 10 anos de idade passou a acompanhar o pai em colheitas realizadas no entorno da cidade. Participava da varrição, enquanto sonhava ser dona de sítio e cafezal. Mais adiante, tornou- -se colhedora de até 600 litros de café por dia, e assim continuou, inclusive depois do casamento, aos 22 anos.

Mesmo tendo as tarefas domésticas e filhas para cuidar, a inquieta Lourdes, vivendo na cidade, também virou doceira de mão-cheia e vendedora de roupas. Com o marido, Sebastião Quintino Ferreira, alfaiate, construiu casa e acumulou o necessário para comprar 3,6 hectares e plantar café, em 2001. Insatisfeita, Lourdes manteve-se firme em suas atividades urbanas, enquanto trabalhava na lavoura de 11 mil cafeeiros. Por fim, em 2012, com economias, mais o produto da venda do primeiro sítio, comprou propriedade de 24 hectares, onde agora cultiva 35 mil pés de café, e colhe até 500 sacas nos anos bons, orientada por técnicos da Fundação Neumann (leia nª 85). A lamentar, só o fato de Lourdes, que “ama a roça”, não poder mais trabalhar no cafezal: quebrou ambos os fêmures, com intervalo de um ano entre dois acidentes. O marido, Sebastião, aposentado como ela, vai todos os dias ao sítio. Se encarrega de pequenas tarefas e da secagem do café no período da safra. Outras pessoas, gente conhecida e parentes, trabalham na lavoura.

Em Santo Antônio do Amparo também vive outra produtora destacada, a socióloga Miriam Monteiro de Aguiar, guardiã de patrimônio histórico admirável – a Fazenda Cachoeira, cuja sede foi construída por ancestrais da família, em 1840. Miriam e o marido, Rogério Daros, comandam a propriedade, auxiliados por pessoal técnico e administrativo. A fazenda se divide em duas glebas. Em uma delas, de 94 hectares, o café orgânico ocupa 25 hectares. E mais 15 hectares serão plantados até 2019. Na outra, formada por 210 hectares, ficam a sede, 25 hectares de cafezais convencionais, também em expansão, reservas de matas e o Haras do Café, onde se criam cavalos da raça Mangalarga Marchador Pampa. Miriam recebeu o conjunto como herança do pai, Fernando Aguiar Paiva, personagem icônico da cafeicultura regional, hoje afastado dos negócios devido à idade e problemas de saúde.

A trajetória de Miriam na rota do café, que se confunde com a paterna a partir do início da década de 1990, lhe proporcionou experiências singulares. Depois de fazer o mestrado e viver alguns anos em São Paulo, já casada, Miriam retornou a Santo Antônio do Amparo, com o marido. Ela conta: “Em 1993, começamos o trabalho na agricultura orgânica e transformamos a sede da Cachoeira, que virou pousada, por algum tempo. Meu pai, com quem compartilhávamos a gestão da fazenda, era muito ativo, tendo sido um dos fundadores da Associação Brasileira de Cafés Especiais, a BSCA, sigla em inglês. A criação dessa entidade foi uma das histórias mais significativas que vivi no café. Tive a oportunidade de participar das primeiras feiras realizadas com participação da BSCA no exterior, e entender o que era café especial. Depois idealizamos e pusemos em funcionamento a Sancoffee, cooperativa dos produtores amparenses de cafés especiais”. 

Com esse currículo, Miriam estava pronta para colaborar na fundação do capítulo brasileiro da Aliança das Mulheres do Café, ocorrida em 2012 (leia quadro abaixo). Hoje, como uma das vice-presidentes da entidade e também presidente da Acob – Associação do Café Orgânico e Sustentável do Brasil, ela diz: “Historicamente, o universo do café tem sido masculino. Vejo por experiência própria. Me envolvi com projetos diversos e aprendi muito em todos esses anos. Agora tenho empresa exportadora e vendo meu café, e o de produtoras da região, diretamente para clientes estrangeiros. No entanto, penso que, se fosse homem, estaria dentro de uma engrenagem que gira mais fácil. Assim, o que faço agora em matéria de produção e comércio já poderia estar fazendo há 10 anos.

Para nós, mulheres, as dificuldades e os desafios são muito maiores. Eu mesma tenho três filhas, a fazenda, a família. Um leque mais amplo de coisas com que me preocupar, às quais me dedico intensamente. Inclusive à Aliança, cujo objetivo é conectar e formar mulheres, para lhes dar a chance de conhecer o campo em que atuam e nele conquistar espaço. Pois a demanda por nossa produção é crescente. Para ela já existe um nicho em consolidação, dentro do mercado de cafés especiais. Principalmente nos Estados Unidos”.

O despertar das cafeicultoras - A IWCA, Aliança Internacional das Mulheres do Café, surgiu na Nicarágua, em 2003, durante encontro das produtoras locais com representantes femininas da cadeia de importação e torrefação dos EUA. Essa organização inspirou a cafeicultora mineira Josiane Cotrim a fundar a vertente nacional do movimento. Como o Brasil é muito grande, a aliança brasileira está dividida em subcapítulos, conforme as regiões cafeeiras existentes. Para o livro a ser lançado sobre a participação das mulheres nesse ramo do agronegócio, a Aliança formulou o questionário, com base no que foi elaborado pelo pesquisador Sérgio Parreiras Pereira, do Instituto Agronômico de Campinas, para sua tese de doutorado. As mulheres interessadas em participar da pesquisa devem acessar www.survio.com/survey/d/pesquisamulheresdocafe

*Matéria originalmente publicada na edição 88 da revista Agro DBO. 

Fonte: Agro DBO

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