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T Ó P I C O : Importação de café verde pelo Brasil: mudança de paradigma? - Por José Dauster Sette

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Importação de café verde pelo Brasil: mudança de paradigma? - Por José Dauster Sette


Autor: Leonardo Assad Aoun

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Último comentário neste tópico em: 07/08/2024 13:05:51


Leonardo Assad Aoun comentou em: 06/08/2024 15:31

 

Importação de café verde pelo Brasil: mudança de paradigma? - Por José Dauster Sette

 

 

Este trabalho, o primeiro de uma série de artigos ocasionais sobre o comércio exterior do café brasileiro, explora a evolução das importações de café verde pelo país. Em um passado não muito distante, os países produtores de café tendiam a privilegiar um paradigma centrado nas exportações, por sua capacidade de gerar receita cambial, e colocavam em segundo plano o mercado interno, o qual diminuía a disponibilidade de café para exportação. Um novo paradigma surgiu durante os anos 1990, o qual enfatizava o papel importante do consumo interno na estabilização dos preços e na agregação de valor. Em grande parte, esse movimento se inspirou no extraordinário sucesso da indústria de torrefação brasileira, a qual nutriu um mercado consumidor que veio a se tornar o segundo do mundo. Desde então, vários países produtores vêm mostrando uma evolução interessante em seus respectivos mercados internos.

Como parte desse processo, tornou-se cada vez mais comum o intercâmbio de café entre países produtores. Nesse novo paradigma, as importações cumprem uma ou mais das seguintes funções: (a) fornecer matéria prima ao mercado interno, assim liberando volumes da produção local para serem vendidos a preços mais altos no mercado internacional, exemplificado pela estratégia adotada pela Colômbia; (b) disponibilizar formas de café que a indústria local é incapaz de produzir, como acontece nos países da América Central, cujo mercado interno é, em grande parte, abastecido com café solúvel importado do México; (c) assegurar o abastecimento do mercado interno em casos de quebra de safra; e (d) permitir o acesso da indústria local a qualidades de café que não são produzidas localmente, assim possibilitando a comercialização de uma gama mais ampla de produtos, tanto no mercado interno quanto no externo conforme praticado por Colômbia, México, e Equador, entre outros.

No caso de alguns países produtores, as importações já representam uma parcela significativa de seus mercados, inclusive com uma participação destacada de café originado no Brasil, que embarcou mais de 2,6 milhões de sacas para esses destinos em 2023. Nesse ano, o Brasil exportou 1,16 milhão de sacas para a Colômbia, equivalentes a cerca de 10% da safra desse país. Por sua vez, as exportações para o México totalizaram 616 mil sacas, equivalentes a 15% de sua safra. Até mesmo o Vietnã foi destino de 186 mil sacas do Brasil, embora esse volume represente uma parcela relativamente pequena (inferior a 1%) de sua produção.

E como se situa o Brasil neste quadro de mudança de paradigma? Essa é a questão que abordaremos neste artigo e em outros no futuro.

Dados

Os dados utilizados neste trabalho foram extraídos do banco de dados COMEX STAT, disponível no site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), e são classificados segundo a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), a qual, por sua vez, se baseia no Sistema Harmonizado (SH), estabelecido pela Organização Mundial de Aduanas. O Comex Stat contém dados de volume e valor de 1997 ao presente dia, com o café sendo dividido em quatro “posições” (códigos de quatro dígitos) distintas.

Este artigo examina os dados referentes ao café verde, o qual a NCM desdobra nas posições 0901.11 (Café não torrado, não descafeinado) e 0901.12 (Café não torrado, descafeinado). Para facilitar a leitura, neste artigo o termo “café verde”, de uso mais comum no setor cafeeiro, será usado para se referir àquilo que o NCM denomina “café não torrado”.

Foram implementados os seguintes ajustes aos dados originais:

  • Para assegurar a comparabilidade entre os volumes de diferentes formas de café (no caso atual, café verde vs. verde descafeinado), foram usados os fatores de conversão estabelecidos pela Organização Internacional do Café, um dos quais determina que o volume de café verde descafeinado deverá ser multiplicado por 1,05 para convertê-lo em café verde.
  • Após consulta inconclusiva junto ao MDIC, foram excluídos todos os dados referentes a importações com país de origem Brasil. A hipótese mais provável é de que esses dados resultam de erros de digitação por parte de usuários do Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex).
  • Foram excluídos todos os dados referentes a importações com volume anual  inferior a uma (1) saca de 60kg.

Exigências para importação

Segundo os dispositivos da Instrução Normativa nº 25 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, datada de 7 de abril de 2020, a importação pelo Brasil de espécies vegetais, suas partes, produtos e subprodutos, e outros artigos regulamentados está condicionada ao cumprimento de requisitos fitossanitários específicos estabelecidos por meio de Análise de Risco de Pragas (ARP). Essa exigência não se aplica a produtos que tenham passado por processamento industrial (como é o caso do café verde descafeinado) e não têm “capacidade de estarem infectados ou infestados por pragas quarentenárias”, os quais estão dispensados da ARP. No caso do café, ARPs já foram realizadas no Peru (arábica) e no Vietnã (canéfora), e a importação de ambas origens está devidamente autorizada.

Além do cumprimento de requisitos fitossanitários, o café está sujeito a um imposto de importação. Com exceção das importações realizadas em regime de drawback, as quais estão isentas de tarifa de importação, a tarifa aduaneira externa comum (TEC) incidente sobre o café verde é de 10%.

Volume de importação

No caso do café verde não descafeinado (NCM 0901.11), como seria de se esperar na ausência de um ambiente regulatório facilitador, as importações foram praticamente nulas até 2016 (ver Tabela 1). Em 2017, o quadro começa a mudar, com a importação de 5.864 sacas do Vietnã, certamente um embarque exploratório no rastro da recente publicação da Instrução Normativa que autoriza a entrada de cafés provenientes daquele país. Seguiram-se quatro anos de movimento baixíssimo, marcados apenas pela importação de um contêiner (333 sacas) daquela mesma origem em 2020. Entretanto, nos últimos dois anos, as importações do Vietnã subiram acentuadamente, totalizando 69.585 sacas em 2022 e 84.481 em 2023.

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A evolução das importações de café verde descafeinado (NCM 0901.12) também só ganhou maior impulso no passado recente, mais precisamente a partir de 2018. Desde então, o total importado tem oscilado bastante, variando entre um mínimo de 840 sacas em 2019 e um máximo de 41.717 sacas em 2021. Os dois principais fornecedores são o México e a Alemanha (ver Tabela 2).

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Considerações finais

As importações de café verde pelo Brasil ainda estão em nível incipiente, tendo o volume importado em 2023 sido inferior a 110 mil sacas, equivalente a menos de 0,2% da safra nacional de 2022/23. A esses níveis, elas não têm capacidade de exercer qualquer influência, positiva ou negativa, sobre o mercado interno, conforme temido por alguns agentes de mercado.

A grande incógnita é como essas importações se comportarão no futuro. No caso do café verde descafeinado, a demanda contínua e estável pelo produto sugere que existe uma lacuna na capacidade da indústria brasileira de oferecer esse produto. Enquanto esta lacuna não for preenchida, as importações deverão manter-se. No caso do café verde não descafeinado, a forte alta das cotações do Arábia e do Canéfora, nos últimos meses, tornam improvável que as importações do Vietnã se mantenham em níveis tão elevados quanto as de 2022 e 2023. Na verdade, o último lote importado chegou em junho de 2023, mais de um ano atrás. Desde então, não houve registro de importação deste tipo de café.

Mais importante do que os volumes a serem importados no futuro imediato é o fato de que estas importações já ocorreram em uma escala relativamente grande. Isso é uma demonstração da existência de uma mudança de paradigma significativa e que a indústria nacional já possui experiência neste tipo de operação e saberá como recorrer às importações em um futuro mais distante, caso necessário. Deve-se levar em conta, porém, que a importação de origens que não o Vietnã e Peru serão condicionadas ao longo e oneroso processo de aprovação do ARP.

No próximo artigo, serão abordadas importações de café torrado e moído.

 

José Dauster Sette foi diretor-executivo da Organização Internacional do Café (2017-22) e do Comitê Consultivo Internacional do Algodão (2013-17)
settesentidos@gmail.com 

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