Rede Social do Café

T Ó P I C O : Já existia café no Brasil antes de Palheta?

Informações da Comunidade

Criado em: 28/06/2006

Tipo: Tema

Membros: 5250

Visitas: 27.679.775

Mediador: Sergio Parreiras Pereira

                        

Adicionar ao Google Reader Adicionar ao Yahoo Reader Adicionar aos Favoritos BlogBlogs


Comentários do Tópico

Já existia café no Brasil antes de Palheta?


Autor: Eduardo Cesar

2.399 visitas

1 comentários

Último comentário neste tópico em: 08/06/2018 07:02:22


Eduardo Cesar comentou em: 07/06/2018 16:56

 

Já existia café no Brasil antes de Palheta?

 

Revista Negócio Café - Por Eduardo Cesar Silva

E se a história da introdução do café no Brasil, tal como a conhecemos, estiver errada? Quem leu o livro “História do Café” (Editora Contexto, 2008), da historiadora Ana Luiza Martins, provavelmente ficou intrigado com esta passagem:

“A rigor, o produto [café] já era conhecido no território [nacional], vindo de Portugal, segundo mencionado em 1663 pelo diplomata português Duarte Ribeiro de Macedo, lotado na corte francesa de Luís XI. Em seu ‘Discurso sobre os gêneros de comércio que há no Maranhão’, citava 37 produtos, entre eles o café, acrescentando que sua cultura era pequena e de baixo preço.”

Segundo Ribeiro de Macedo, já havia produção de café em solo brasileiro 54 anos antes da famosa expedição de Francisco de Mello Palheta, realizada em 1727. O documento citado por Martins é, na verdade, de 1673. A informação contida no Discurso sobre os gêneros… também é mencionada por Mary Del Priore no seu “História da Gente Brasileira: Império” (LeYa, 2016) e no livro “História do Café no Brasil”, de Antônio Carlos Moreira (Magma, 2008).

Trata-se de uma informação que poderia mudar tudo o que se sabe a respeito da história do café no Brasil e no mundo. Mas afinal, as informações de Duarte Ribeiro de Macedo são confiáveis?

A polêmica em torno do relato do diplomata português é antiga. Nas primeiras décadas do século XX os historiadores Affonso de Taunay e Luís do Amaral ficaram em lados opostos em torno dessa questão. Amaral tentou demonstrar que ela era plausível com muitas suposições, e poucas evidências. Foi criticado por Taunay, que se baseava num conjunto mais robusto de documentos.

Amaral, por exemplo, chegou a usar como argumento os relatos sobre supostos cafeeiros que seriam nativos do Brasil. Na época, algumas pessoas acreditavam que isso era possível, mas hoje está claro que não existem espécies do gênero Coffea nativas das Américas. Além disso, as únicas espécies de Coffea com uso comercial são originárias da África.

Café em meio a vegetação nativa, Etiópia. O país é considerado o berço da espécie Coffea arabica. Imagem: Pete Lewis/CC BY 2.0.

Se o relato de Ribeiro de Macedo não pode ser explicado pela botânica, ainda resta a possibilidade de que as plantas tenham sido trazidas antes da expedição de Palheta. Os portugueses estabeleceram entrepostos comerciais por todo o globo: na África, na Índia, no Timor Leste, no Japão, entre outros.

Eles também mantiveram relações comerciais e diplomáticas com a Etiópia desde a Idade Média. Eles poderiam ter vislumbrado o potencial comercial do café antes dos Holandeses e levado algumas mudas e sementes para as suas colônias.

Deve-se admitir que essa é uma hipótese charmosa, mas ela não é apoiada pelas fontes históricas.

Já em 1856, um dos primeiros historiadores da cafeicultura brasileira, Francisco Freire Allemão, rejeitava a possibilidade de o café ter chegado ao Brasil antes do século XVIII. Allemão estudou as crônicas dos portugueses que estiveram na Etiópia e na Índia antes de 1673 e não encontrou nenhuma menção ao café.

Taunay, por sua vez, apontou que não existem documentos oficiais sobre café no Brasil antes de 1727, o que seria muito estranho caso a cultura já estivesse estabelecida. A própria “missão secreta” de Palheta não faria sentido se já houvesse café brasileiro naquela época.

Francisco Palheta é retrato de maneira idealizada nas ilustrações, como é o caso dessa feita por Marques Junior. Não existem registros de como teria sido sua verdadeira aparência.

Por fim, a existência de lavouras de café no Brasil do século XVII vai contra todo conhecimento existente sobre a história da expansão do grão pelo mundo. Segundo a World Coffee Research, o cultivo comercial do café foi exclusividade dos árabes no Iêmen até 1670. Naquele ano, um peregrino indiano chamado Baba Budan conseguiu levar o café para a Índia.

Ele introduziu o café na região de Malabar, que então contava com a presença dos Holandeses. E foi a partir da Índia que os Holandeses conseguiram transplantar o cafeeiro para a Indonésia em 1696 e 169⁹¹. Se o monopólio dos árabes só foi quebrado em 1670, e pelos Holandeses, que eram rivais dos portugueses no comércio marítimo, é impossível que em 1673 já houvesse produção no Brasil.

Holanda foi a maior potência naval do mundo durante o século XVII.
Imagem: Navios holandeses em um mar calmo, Willem van de Velde (II), c. 1665.

Dessa maneira, o relato do diplomata português não deve ser considerado como evidência de café no território brasileiro.

Ribeiro de Macedo merece o crédito de ter sido um dos primeiros a acreditar no potencial agrícola do Brasil. Em suas cartas, buscou demonstrar, com o conhecimento da época, que as especiarias do Oriente também poderiam ser cultivadas no país, criando riqueza para a coroa portuguesa.

Como sugere Taunay, talvez ele tenha sido o primeiro a imaginar que o café poderia ser uma cultura rentável no Brasil. Seu relato seria, na verdade, uma tentativa de convencer as autoridades portuguesas a trazerem a o cultivo do café para o país.

Texto publicado originalmente na edição de Maio de 2018 da revista Negócio Café. Cadastre-se e receba ela todos os meses no seu e-mail.

Siga Negócio Café no Facebook e no Instagram.

Visualizar | |   Comentar     |  



1