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T Ó P I C O : Conheça Isabela Raposeiras, uma das melhores baristas do mundo

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Conheça Isabela Raposeiras, uma das melhores baristas do mundo


Autor: Carla de Pádua Martins

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Último comentário neste tópico em: 09/08/2015 22:32:24


Carla de Pádua Martins comentou em: 07/08/2015 17:45

 

Conheça Isabela Raposeiras, uma das melhores baristas do mundo

 

Nascida em 1974, a carioca passou pelas carreiras de dançarina, atriz e professora de inglês até se dedicar exclusivamente ao café

Por: Redação VIP

A mulher que tem elevado o café brasileiro a patamares inéditos de reconhecimento (Foto: Luiz Maximiano)

A mulher que tem elevado o café brasileiro a patamares inéditos de reconhecimento (Foto: Luiz Maximiano) por Rodrigo Levino

Em março de 2002, uma nota publicada numa revista paulistana perguntava: “Já ouviu falar em barista?”. Definido como uma “espécie de barman de café, cuja infusão ele mistura a outras bebidas e ingredientes”, era o gancho para falar de uma brasileira de 28 anos recém-eleita a melhor do país, e que disputaria dali a dois meses o campeonato mundial da categoria, em Oslo, na Noruega.

A explicação do termo apontava o ineditismo da coisa. Primeiro, uma jovem e mulher; depois, por tratar de uma atividade que, a bem da verdade, nem engatinhava, mal existia profissionalmente no Brasil, ironicamente o maior produtor de café do mundo.

Numa tarde ensolarada de maio deste ano, em São Paulo, um jovem no- va-iorquino do Brooklyn procurava, com um papel à mão, o endereço de uma cafeteria na Vila Madalena, bairro paulistano, indicada por amigos europeus e americanos como, segundo ele, “uma das melhores do mundo”.

“Quem é Isabela Raposeiras?”, perguntou ao entrar no Coffee Lab. Sentada à entrada, a barista se apresentou e ouviu uma bateria de salamaleques, repetidos com mais ênfase na despedida.

Entre o vácuo que era a carreira de barista no país há 13 anos, o reposicionamento do café no mercado gastronômico e a visita regular de estrangeiros buscando cafés brasileiros como se fossem relíquias, há uma curva ascendente de qualidade e interesse, sobretudo por grãos especiais, sobre a qual, dizem nove em cada dez especialistas, é impossível não considerar o efeito do trabalho da tal barista.

Isabela Raposeiras nasceu no Rio de Janeiro, em 1974, numa família de classe média quase nômade que, atingida por sucessivas crises financeiras, criou as duas filhas ao longo de 48 endereços, em cinco estados e três regiões. Formada em psicologia, atuou profissionalmente como dançarina, atriz e professora de inglês antes de se dedicar exclusivamente ao café.

Foto: Luiz Maximiano

Foto: Luiz Maximiano

“Eu precisava de grana para pagar a faculdade quando uma amiga me convidou para ajudar a montar um café em São Paulo”, conta ela, cuja pouca experiência no ramo vinha de observar os negócios dos pais, ex-donos de restaurantes e um pub. Deu pé.

Do primeiro balcão de cafeteria, em 2000, ao primeiro campeonato mundial de baristas, o começo da carreira de Isabela foi pródigo e rápido. O café da amiga e a dedicação ao tema logo a deixaram em evidência e a levaram a ocupar um cargo administrativo numa grande produtora do meio, onde expandiu a atuação. A 15ª colocação no campeonato em Oslo rendeu mais frutos do que o ranking pode indicar. Com a repercussão, e trazendo na bagagem temporadas de cursos com baristas europeus premiados relacionados à disputa, Isabela aprofundou os estudos e, a partir de 2004 até 2008, dedicou-se a cursos e consultorias.

O período inicial, marcado por um ganho considerável de credibilidade, no entanto, não foi livre de percalços e mudanças de rumo. “Durante um bom tempo e mesmo premiada, meu salário não era mais do que o piso da categoria, coisa de 700 reais, por exemplo”, diz ela.

O que fazer? Agarrar qualquer oportunidade de aprofundamento, em cursos aqui, na Europa e nos Estados Unidos e mesmo coisas curiosas, como se oferecer para ser voluntária em campeonatos importantes e assim poder provar (após o júri, claro) cafés do mundo inteiro então em disputa. “Depois que os fodões iam embora eu ficava horas provando e cheirando aqueles cafés que eles haviam analisado para entender as diferenças de gosto, sabor, cor, tudo”, diz.

Café para São Benetido (Foto: Luiz Maximiano)

Café para São Benetido (Foto: Luiz Maximiano)

Isabela tem a pele muito branca, os cabelos negros e longos, um rosto simétrico e anguloso, com sardas discretas; os olhos cor de mel, a depender da luz, puxam para o acinzentado. Fuma charutos, há dez anos pilota aviões e é viciada em Fórmula 1. Numa das conversas com VIP, aliás, o celular zuniu lembrando-a que dali a algumas horas aconteceria um treino da categoria, que ela assistiria pela TV.

A barista de origem espanhola foi casada por dez anos, separou há dois, não tem filhos. É séria e atenciosa com quem interage. “Eu sou bem caxias, na verdade”, diz usando uma gíria militar. Não sem razão. Aos adjetivos  “CDF” e “uma das melhores”, não raro juntam-se epítetos (sempre em privado) como “cheia de opiniões”, “de personalidade difícil”, “muito brava” e “arrogante”.

Parte disso foi reforçado por um episódio embaraçoso, de 2014, quando ela se manifestou no Facebook contra uma fala do ex-presidente Lula a respeito da “elite branca”, segundo (e como) ela, na verdade, vítima de um preconceito de classe que ignora os empregos que gera e os impostos pagos.

Foi “trollada” em escala amazônica nas redes sociais. A partir de certo ponto, como escreveu Jon Ronson no livro So You’ve Been Publicy Shamed? (sem tradução), a reação da turba “não era mais uma simples cruzada ideológica (…), mas convertera-se numa forma de entretenimento para desocupados em geral”. Isabela diz que faria tudo de novo. “É como se não fosse dado a quem não se encaixa em determinados perfis ideológicos o direito de se pronunciar. Isso é horrível, é autoritário.”

De outro ângulo, pode-se dizer que ela é firme e objetiva. Em privado, os poucos mais próximos falam de alguém bem-humorada, generosa e, como boa latina, chorona. Possível que a posição aparentemente refratária seja uma defesa de quem enfrentou, dentro de um mercado dominado por homens, dificuldades de reconhecimento.

A fórmula do café gravada no braço de Isabela (Foto: Luiz Maximiano)

A fórmula do café gravada no braço de Isabela (Foto: Luiz Maximiano)

 

Um episódio de assédio sexual em 2002, por exemplo, a deixou fora do ramo por seis meses. “Eu desisti de tudo depois daquilo, disse para mim que jamais voltaria”, conta. Demorou pouco o hiato, o café falou mais alto.

Nem o baque que quase a fez largar de vez o mercado a animou a levantar qualquer bandeira de gênero, no entanto. Diz ter perdido a conta das vezes em que ouviu maçantes explanações, como se fosse uma iniciante, para, ao fim, surpreender o interlocutor com uma pergunta de nível mais alto do que  deduziam dela. “Não partilho desse discurso de igualdade, acho que a luta deve ser para ressaltar as diferenças [entre homens e mulheres]. E não encontrei jeito melhor de preservar meu espaço que não fosse com estudo e dedicação contínua”, alega.

“Ela não diz coisas que as progressistas querem ouvir, pelo contrário, mas desde que a conheço, toda dificuldade que ela enfrentou na indústria cafeeira só a fez estudar ainda mais e se tornar essa guru do café”, diz Tim Wendelboe, considerado o melhor barista em atividade do mundo.

Foi na fonte da qual Wendelboe é uma dos expoentes, junto com outros escandinavos como Robert Thorensen, Anne Lunell e Charles Nystrand, a torra, que Isabela bebeu para dar a grande guinada na carreira, quando, em 2009, abriu um espaço misto de laboratório de café e escola de baristas.

O novo rumo foi precedido por outro momento crucial, um ano antes, quando se formou em psicologia, curso iniciado em 1992 em Porto Alegre (RS), onde morou por oito anos. “Eu vinha de outra fase ruim, embarquei num projeto que deu errado e perdi meus clientes, tive de começar do zero.”

O esforço cobrou o apartamento que ela comprara anos antes com a grana de consultorias. O investimento deu origem ao Coffee Lab, o café favorito de Tim Wendelboe no mundo, segundo ele, para quem estar lá é como “ver um restaurante com estrela Michelin em ação”.

Foto: Luiz Maximiano

Foto: Luiz Maximiano

Ainda naquele ano, com a importação de grãos de café crus proibida pelo governo, Isabela se viu diante de um dilema que se resolveu com uma meta e se tornou uma de suas marcas: se dedicar inteiramente aos cafés brasileiros, aos tipos pouco conhecidos, aos pequenos produtores (a quem ela paga cinco vezes o preço médio da saca). Em resumo, um trabalho de garimpo, aliado à excelência da torra adequada até então pouco estudada no Brasil.

“Grandes produtores estão preocupados com produtividade e qualidade, Isabela está preocupada com o sabor, ela busca o estranho, os sabores únicos”, analisa Oliver Strand, colunista e jornalista do The New York Times especializado em café.

O Coffee Lab é um sobrado arejado e aconchegante na Vila Madalena, onde, em alguns sábados, a fila pode demorar 40 minutos. Sim, para beber café, que chega a custar até 13 reais a caneca. Não há um dia em que não receba estrangeiros, atraídos pela boa fama do lugar, que tem um quê de hipster, mais pela clientela que pela postura dos baristas.

A casa não tem garçons. Cada um dos responsáveis por preparar os cafés, via métodos que vão do coado ao expresso e técnicas como o aeropress, são todos baristas formados – parte dos mais de 3 mil que passaram por seus cursos nos últimos 12 anos.

O que atrai tanta gente disposta a pagar tão caro por alguns goles de café é, por certo, a excelência da coisa. “Existem os muito bons e os excelentes. Isabela está nesse grupo. Em padrão de conhecimento temos um leque equiparado no Brasil hoje, mas é o conjunto do trabalho dela, de pesquisa, de disseminação, que a deixa num patamar acima”, analisa Arnaldo Lorençato, crítico de gastronomia da VEJA SP.

“É possível que em alguns anos se repita com ela o fenômeno dos ‘filhotes do Fasano’”, diz ele sobre a replicação do modelo de negócio, foco e serviço que marcou o restaurante paulistano.

Foto: Luiz Maximiano

Foto: Luiz Maximiano

Para Luiza Fecarotta, crítica de gastronomia da Folha de S.Paulo, Isabela foi a responsável por “criar uma ponte entre a alta gastronomia que se desenvolveu no Brasil nos últimos dez anos e o café, que até a chegada dela era visto como um acessório”. Um erro de cálculo que só a chegada de bons grãos fez perceber que um grande jantar pode terminar da pior forma: com um gosto amargo de café ruim na boca.

Com raras exceções, não há um restaurante de alto nível em São Paulo que hoje não encare o café como parte da gastronomia que desenvolve. Muitos deles, servindo “o café da Raposeiras”; outros, colados nas tendências, como o café coado servido como num ritual afetivo, que ela ajudou a fortalecer.

Cinco dias depois de se despedir do americano do Brooklyn entusiasmado com o que havia descoberto (um café do Espírito Santo raro, untuoso e adocicado) e que pedia “abre um desses em Nova York, por favor!”, Isabela deu os primeiros passos concretos para realizar algo que há anos a ronda: abrir filiais do Coffee Lab fora do Brasil. “Ela seria uma estrela em Oslo ou Copenhague, tenho certeza”, diz Strand.

Até o segundo semestre de 2016 a casa ganhará uma versão em Miami, na Flórida. Europa e Oriente Médio estão no horizonte. “Um passo de cada vez, pois sou muito medrosa. Nunca tive grana, tenho medo de falir todo dia, é uma coisa!”, diz ela, que garante não ter ficado rica, ainda compra as roupas em lojas de departamentos, corta o próprio cabelo para não gastar com cabeleireiro e mantém apenas dois luxos: o charuto cubano e pilotar aviões (“espero conseguir comprar um pequenininho um dia…”). Ah, e o café, claro, sempre do melhor.

 

 

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