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T Ó P I C O : Café arábica, plantas C3, aquecimento global, etc. - Prof. Donizeti

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Café arábica, plantas C3, aquecimento global, etc. - Prof. Donizeti


Autor: Leonardo Assad Aoun

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Último comentário neste tópico em: 23/03/2023 04:16:00


Leonardo Assad Aoun comentou em: 22/03/2023 18:08

 

Café arábica, plantas C3, aquecimento global, etc. - Prof. José Donizeti Alves

 

O Café arábica é uma das culturas mais vulneráveis ao clima adverso. Prova disso é que a última grande safra brasileira foi em 2020. De lá para cá, por conta dos eventos climáticos extremos;  que foram do calor intenso ao frio congelante e de longos períodos de seca às chuvas, aliados à dessincronização do clima, com frio e seca no verão e calor e chuva no inverno; as safras nos últimos dois anos foram insatisfatórias. O caos provocado pelo clima foi tão intenso, que a famosa bienalidade do café desapareceu. A supersafra em 2022, que muitos acreditavam que viria, foi frustrante, e ela se comportou como de bienalidade negativa. Agora é esperar que neste ano (2023), tenhamos uma grande safra. Será? Se isso acontecer, vai haver uma inversão da bienalidade, passando a safra alta para os anos ímpares? Ou a tão esperada supersafra só vai acontecer em 2024? Se assim for, teremos uma quadrienalidade, com três anos de safra baixa para um de safra alta? São tantas as interrogações que os futurólogos estão em alta, criando cenários hipotéticos que muitas vezes não se confirmam.

O último relatório do 6º Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) das Nações Unidas, divulgado em 20 de março de 2023, portanto quentíssimo, (desculpe o trocadilho), mostrou que os compromissos climáticos que incluem (i) redução de emissões de CO2 e (ii) remoção de parte do carbono que está na atmosfera; não serão suficientes para arrefecer o aquecimento global. O relatório destaca que o patamar máximo de aumento de temperatura, necessário para evitar piores impactos das mudanças climáticas é de 1,5°C  acima dos níveis pré-industriais. Hoje não existe mais dúvidas que o aquecimento global acontece em função do acúmulo de gases de efeito estufa entre eles o dióxido de carbono (CO2). As previsões mais pessimistas indicam que até o final deste século, incrementos pronunciados desse gás na atmosfera podem resultar em uma elevação da temperatura global de até 4,5°C. Caso isso aconteça, é de se esperar enormes prejuízos para os cultivos.

A remoção do CO2 da atmosfera é feita pela fotossíntese. Nesse processo, as plantas sequestram o CO2 do ar, misturam-no com água e produzem açúcares com a liberação de oxigênio. Os açúcares são então distribuídos e aprisionados em todos os órgãos das plantas (raiz, caule, ramo, folha, flor e fruto) não voltando para a atmosfera. Os solos são também grandes sumidouros de carbono advindos da decomposição de partes dos vegetais que caem no solo. Em vista das projeções de aumento de CO2 na atmosfera e do conhecimento da baixa atividade fotossintética do cafeeiro, resta saber qual será o impacto do aumento do CO2 sobre as respostas fisiológicas, no crescimento e na produção do café? Para investigar essas questões, cientistas brasileiros tem desenvolvido trabalhos experimentais utilizando o sistema Open Top Chambers (OTCs) com mudas de café submetidas à atmosfera ambiente e enriquecida com CO2.

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Os primeiros resultados destas pesquisas são animadores e mostram que, de maneira geral, o aumento na concentração do CO2 atmosférico resulta em maior atividade fotossintética do cafeeiro. Ou seja, o cafeeiro está se comportando como ótima alternativa para o sequestro do carbono. Explicação para esse resultado positivo é que em plantas C3 como o cafeeiro, incrementos na concentração de CO2:  (i) favorecem os processos de carboxilacão da RuBisCO (enzima responsável pela captura do CO2) sobre atividade de oxigenação e (ii) diminuem as taxas de fotorrespiração que é responsável por perdas de até 1/3 do carbono assimilado. Como consequência, o balanço líquido entre ganho e perda de carbono, confere ao cafeeiro maior performance fotossintética com incrementos na eficiência do uso da água e no crescimento das plantas. Tem sido observados incrementos de 45% (café sombreado) e 72% (café a pleno sol) nas taxas de assimilação líquida de CO2, resultando em maior crescimento e produção de biomassa com a elevação do CO2. Esses resultados levam a concluir que cafeeiros (jovens) sob elevada concentração de CO2 estão mais preparados para suportar os impactos de outros estresses típicos de plantações a pleno sol como o calor e alta luminosidade(1). 

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Finalmente, é importante destacar uma pesquisa inovadora(3), por ter sido  realizada em campo, com duas cultivares de café adulto, durante dois anos. Os resultados foram bastante animadores pois ficou evidenciado que sob alta [CO2], ambas as cultivares, Catuaí e Obatã, mantiveram taxas fotossintéticas relativamente altas; uma  boa eficiência no uso da água e maior crescimento vegetativo. O dado mais animador foi que as produtividades das lavouras aumentaram: 14,6% em Catuaí e 12,0% em Obatã.

Apesar dos resultados das pesquisas mostrarem que a elevação da concentração de CO2  atmosférico [CO2] melhora a performance fisiológica do cafeeiro, existem ainda muitas  lacunas que devem ainda ser preenchidas. Entre elas:

(i) A maioria das pesquisas foi realizada com mudas. Resta saber, como cafeeiros adultos em franca produção, vão se comportar sob atmosfera com alta [CO2], quando fatores como alta radiação, elevada temperatura e seca estarão associadas e não podem ser desmembradas no campo? 

(ii) Alta [CO2] aumenta a fotossíntese do cafeeiro, mas quando associada às altas temperaturas do ar e seca prolongada nas fases de pré e pós-florada, vai resultar em menor abortamento das flores e queda de frutos? Será que nessas condições, a redução na  produtividade vai ser menor que a observada atualmente, quando os níveis de  CO2 ainda não estão muito altos?

(iii) Sabe-se que uma alta fotossíntese nem sempre se traduz em ganhos econômicos para as culturas uma vez que, a partição de fotoassimilados pode favorecer um órgão da planta sem interesse econômico. Como se dará a partição de biomassa entre os diversos órgãos dos cafeeiros? Será que uma alta [CO2] vai favorecer o crescimento vegetativo ou a produção de frutos? Outro aspecto interessante a ser desvendado é se uma maior fotossíntese, caso não seja atrelada a uma eficiente partição de fotoassimilados para outros órgãos das plantas como raízes e frutos, não resultaria em acúmulo de açúcares nas folhas, atraindo pragas ou outros patógenos do cafeeiro?    

(iv) Os estômatos são sensíveis ao aumento da concentração interna de CO2. Embora não seja um comportamento universal para todas as espécies, de maneira geral, os estômatos se fecham em alta [CO2] e isso indubitavelmente, reduz a transpiração foliar. Se isso acontecer, a elevação da temperatura foliar, já exacerbada pelo aumento da temperatura ambiente pode anular os ganhos fotossintéticos? Qual seria o impacto sobre a capacidade produtiva do cafeeiro uma menor eficiência no uso da água? Igualmente importante, como será a incidência por exemplo de bicho-mineiro e outros insetos que causam danos econômicos ao cafeeiro? E os efeitos sobre os inimigos naturais das pragas das lavouras?

(v) Existem trabalhos mostrando que alta [CO2] não agravou o desenvolvimento de doenças como cercosporiose e ferrugem em mudas de Obatã e Catuaí. Por outro lado, também existem trabalhos que mostraram que, apesar da fotossíntese ter aumentado com o aumento da concentração atmosférica de CO2, este incremento não resultou em melhoria na resistência ao fungo causador da ferrugem do café. Então fica  a pergunta: se essas doenças se agravarem, seus efeitos negativos não poderiam sobrepujar os ganhos fotossintéticos? 

(vi) Ao que tudo indica, a [CO2] vais continuar aumentando e isso vai trazer seca, inundações, altas temperaturas e elevada radiação. Diante desse quadro fica a questão: a incidência de temperaturas elevadas associadas a elevação de CO2, vai aumentar a desuniformidade e precocidade na maturação dos frutos, resultando em perda de qualidade?

Ao demonstrar que a fotossíntese de cafeeiros, cultivados sob alta [CO2], aumenta a níveis dificilmente observados de até 16 μmol de CO2.m-2.s-1,  fica claro que a atual concentração atmosférica de CO2 é limitante para a fotossíntese do cafeeiro arábica e está na raiz de muitos problemas enfrentados pelos cafeicultores. Entretanto, se esse benefício vai suplantar as barreiras impostas pelo clima mais adverso ao que estamos enfrentando atualmente, só o tempo dirá. 

Por outro lado, não podemos ficar esperando o caos acontecer e isso impõe aos pesquisadores, universidades e empresas, se anteciparem ao problema e estudar novos métodos de cultivos do cafeeiro, desenvolver novas cultivares de café tolerantes ao calor e a seca e que elas tenham como atributos um melhor aproveitamento dos nutriente e uma melhor tolerância às pragas e doenças e certamente virão com mais severidade. A boa notícia é que a fisiologia do cafeeiro é altamente favorável ao enriquecimento de CO2 atmosférico, mas isso, por si só, não garante a manutenção das produtividades. Portanto, mãos a obra. 

Prof. José Donizeti Alves
FisioCafé Consultoria e Palestras Ltda
Fisiocafeconsult@gmail.com
(35) 99200-6703
Literaturas citadas
(1) Dinorah Moraes de Souza Marçal: Incrementos na concentração atmosférica de CO2 aumentam o crescimento e o desempenho fotossintético do cafeeiro, independentemente da disponibilidade de luz. Viçosa, MG, Programa de Pós-Graduação em Fisiologia Vegetal, UFV, 2020.
(2) Eunice Reis Batista : Respostas fisiológicas e metabólicas de duas cultivares de Coffea arabica L. submetidas a atmosferas enriquecidas em CO2 em Câmaras de topo aberto e sistema FACE. Núcleo de Pesquisa em Fisiologia e Bioquímica do Instituto de Botânica, SP, 2015.

(3) Ghini, R. et al. Coffee growth, pest and yield responses to free-air CO2 enrichment. Climatic Change, 2015. Vol.132. No.2 pp.307-320.

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