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T Ó P I C O : O Paradoxo Cafeeiro | Por Celso Vegro

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O Paradoxo Cafeeiro | Por Celso Vegro


Autor: Leonardo Assad Aoun

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Último comentário neste tópico em: 19/12/2025 17:00:15


Leonardo Assad Aoun comentou em: 19/12/2025 17:17

 

O Paradoxo Cafeeiro | Por Celso Vegro

 

O princípio intrínseco de todo o negócio é a existência de incertezas e riscos. O agro, por ser uma indústria a céu aberto, é ainda mais afetado por essa dimensão. A irrupção da pandemia, seguida de severos distúrbios climáticos (geadas, enchentes, granizo, estiagens), e associada ao declínio das cotações das commodities nas bolsas internacionais amplificados pelas oscilações cambiais, elevou ainda mais os riscos da atividade ligadas à agropecuária. A esses fatores se junta o alto endividamento que, sob juros extorsivos, impõe desafios ainda mais significativos visando sua possível superação.

Até 2020, o agronegócio utilizava de forma bastante comedida a solicitação de recuperação judicial (RJ)1 e falência/insolvência, em parte, devido às restrições jurídicas existentes. Nos anos subsequentes, observou-se que o procedimento de RJ se expande consideravelmente no agro. Com a reforma da Lei de Falências (Lei n. 14.112/2020), forma estabelecidos parâmetros para a inclusão do agricultor pessoa física na RJ, abrindo as possibilidades dos pedidos de insolvência (pela lei, são os únicos CPFs aptos a solicitar a medida). Em 2022, foram feitos 20 pedidos de RJ no agro, mas, a partir de 2023, as recuperações evoluem a expressivo patamar, levantando, inclusive, suspeitas de uso ilegítimo do mandato legal (Figura 1). 

Tendo por objetivo interromper o pagamento de dívidas contraídas (sob promessas de enormes descontos após o término do processo), a solicitação da RJ2 no segmento conta com enorme benevolência do Poder Judiciário que, sob pretexto da preservação dos empregos e renda, concedem a maior parte dos pedidos formulados. Entretanto, implica ao pleiteante a assunção de um longo e oneroso processo. Necessariamente serão mobilizadas equipes de advogados, de administradores judiciais fiduciários e de contadores, o que pode implicar em despesas situadas na casa do milhão ou mais para manter vigente a RJ solicitada.

A RJ consiste em instrumento mobilizado quando há interesse na preservação da função social da propriedade, auxiliando na geração/manutenção de empregos, renda,

tributos e divisas. Entretanto, deve funcionar em equilíbrio, evitando se tonar em um fator de instabilidade e de rupturas da arquitetura desenhada para o funcionamento dos mercados de crédito, provenientes tanto dos fundos governamentais como, crescentemente, do mercado de capitais privados. Declarações formais de instituições financeiras indicam que os CPFs e CNPJs solicitantes de RJ não terão qualquer novo acesso a alguma modalidade de aporte financeiro em suas entidades.

Considerando apenas o terceiro trimestre de 2025, o conjunto dos ramos da agropecuária exibiu índice de RJ de 12,63, ou seja, existiam pouco mais de 12 empreendimentos em recuperação para cada mil cadastrados. Para se ter uma noção da calamidade em curso, basta comparar o mesmo índice para a economia global do país, que foi de apenas 2,04 (Monitor RGF)3.

Sintomas da escalada das RJs são sentidos na evolução da contratação de crédito rural na safra 2025/26. Dados do Banco do Brasil (maior agente financeiro do segmento) evidenciam que de julho a novembro foram contratados R$78,3 bilhões, substancial declínio frente aos R$96,2 bilhões no mesmo período do ano anterior3, ou seja, redução de 22,86%.

Constatada a gravidade da situação, compete avaliar como as RJs se manifestaram na cafeicultura. Espera-se que diante do formidável cenário de evolução das cotações nos últimos dois anos, o segmento estivesse praticamente ausente de solicitações de recuperação. Porém, os microdados mostram que também na cafeicultura há crescente número de ocorrências (Tabela 1).

A existência de empreendimentos cafeeiros em RJ aproxima-se do paradoxal. Como uma commodity que se beneficiou de majoração superior a 150% nos últimos 24 meses pode constar nas RJs do agro (Figura 2)? Seriam estabelecimentos, que após a geada de 2021, foram na sequência impactadas por granizo? Estabelecimentos vítimas de gestão precária/amadora dos riscos como: perdas econômicas com o hedge contratado na baixa, ausência de apólice de seguro rural, descontrole nos orçamentos/custos, denúncias trabalhistas com indenizações de substancial monta. São situações que podem efetivamente levar um imóvel, com cultivo de café, a uma situação de inadimplência. Todavia, não se pode descartar tampouco a possibilidade de emprego puramente oportunista da RJ.

Compete salientar que o sistema financeiro não é de modo algum isento em sua parcela de responsabilidade pelo aumento das RJs no agro. Falhas na análise de risco de concessão do crédito, assim como a busca por metas ousadas no número de contratos e valores empenhados, expõem as instituições a um mais alto risco no negócio e, consequentemente, elevação na carteira de inadimplência.

O regramento atual sobre insolvências precisa ser aprimorado, particularmente quanto ao seu emprego na economia agrícola, assim como os procedimentos de oferta de crédito rural melhorados. O atual patamar de juros praticados pela economia que se soma ao spread bancário eleva o montante a ser quitado em ao menos 20% daquele inicialmente contratado. Os cafeicultores, como os demais agropecuaristas, precisam incrementar a gestão, especialmente dos riscos envolvidos com a atividade. Esses são os caminhos para mitigar as RJs no agro, pois um ambiente de perseguição e de retaliação, como é o cenário que se antecipa, criará novos problemas sem exibir qualquer vantagem as partes a longo prazo.

1A recuperação judicial (RJ) é um mecanismo que concede, caso deferida pelo Poder Judiciário, que processos de execução sejam suspensos por 180 dias com o objetivo de evitar o encerramento de atividades a partir do plano de recuperação, que deve ser apresentado em até 60 dias, embora a execução possa perdurar por vários anos (Boletim Serasa Experian, Segundo Trimestre, 2025 p.67).

2Apenas no Banco do Brasil, as RJs de todos os segmentos econômicos somavam, em setembro de 2025, R$6,6 bilhões consolidados por 928 clientes (Walendorff, R. Avanço de recuperações judiciais no campo coloca BB em estado de alerta, Jornal Valor Econômico, Caderno B-18, 02/12/2025).

3Monitor RGF Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZTM0ZjUwN2YtOTdjZC00YzYyLTg2ZDUtODQ2ZWZkNGM1MGNiIiwidCI6IjA0NmMyNzNiLTljOTgtNDA2Ny05OTRlLTQ5NWJlMTg0MjY3MyJ9b. Acesso em: 15 dez. 2025.

4Op. cit. nota 2.

5Disponível em: https://infoiea.agricultura.sp.gov.br/nia1/precos_medios.aspx?cod_sis=2 Acesso em: 15 dez. 2025.

Palavras-chave: recuperação judicial no agro, falências e inadimplência, crédito rural.

COMO CITAR ESTE ARTIGO

VEGRO, C. L. R. O Paradoxo Cafeeiro. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 20, n. 12, dez. 2025, p. 1-. Disponível em: colocar o link do artigo. Acesso em: dd mmm. aaaa.

Data de Publicação: 19/12/2025

Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.brConsulte outros textos deste autor

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